domingo, 13 de janeiro de 2008

Teimosia



Sou teimoso;
Insisto em fabricar sonhos,
Mesmo sabendo que irão desfazer-se em fumo
Na palidez do crepúsculo outonal.
Meus sonhos, vejo-os naufragados
Qual barquinhos de papel , no torvelinho revolto
Das águas turvas do rio de lágrimas
Que brota de meus olhos marejados,
Brumosos, envelhecidos dessa espera inútil.
Tarde fria.
Um manto de tristezas antiqüíssimas
Desabou sobre mim, deixou-me assim:
Rainha destronada, humilhada, aniquilada
Diante deste imenso e suntuoso salão –
Antes fosse uma mulher do povo,
Mas feliz, amada
Diante de uma sala rústica.

Oliveira

Dilacerado


Meu coração dilacerado pelas recordações
É um ocaso ensangüentado,
Esvaindo-se em angústias depostas,
Em desejos malogrados,
Em saudades atormentadas por gestos inúteis.
A tristeza atravessa em diagonal,
Com pompas de rainha destronada,
O universo de minhas recordações,
Com seu manto cinzento e obscurece,
Põe brumas em meu horizonte.
Oh, saudade, por que te vestes com pompas de rainha,
Se te despojaram do cetro e da coroa?
Oh, taça transbordante de bebida amarga,
Lampejo de falsas alegrias,
Torpor escarlate de lua-cheia nas noites de abril!
Ah, o ópio de ser qualquer coisa para além
Da silhueta de montanhas azuladas ao sul de tudo!
Ah, gotejar sonolento das horas
Costurando o manto esgarçado do tempo! . . .

Oliveira

Acalanto



Este balanço incessante das ondas
Abranda-me o sofrimento,
Acalanta a lembrança da criança feliz
Que dormia embalada pelas canções de ninar
Nas noites longas e frias,
No velho casarão da quinta.
Quão distante aquela felicidade
Salpicada com as cores da ingenuidade,
E quão viva a sensação de aconchego
Que essa evocação me transmite.
Hoje, restam-me escombros de quem fui,
Desmoronamentos das horas absurdas,
Esquálidas sombras de crepúsculos
Esvaindo-se em cinzas de propósitos caducos,
Coaxar de rãs em charcos de desesperança,
Girassóis de olhos pasmos
Nos jardins de meu palácio
Saqueado pelo exército inimigo.

Oliveira

O tempo não pára



O tempo está sempre indo em frente,
Sem olhar para trás,
Devorando as horas,
Corroendo a juventude,
Destuindo os sonhos,
Abrindo feridas de desilusões, de tristezas,
de perdas irreparáveis . . .

O tempo passa e leva consigo pedaços de nós
Num esfacelamento doloroso, lento e contínuo
Como se fôssemos árvores,
Que se despem de suas folhas,
A espera do melancólico inverno.

Vejo-o passar diante de meus olhos
Cegos de nostalgia e desconsolo,
Mareados de angústias,
Desalentados de solidão.

Oliveira

Estilhaços . . .



Minha alma quebrada em pedacinhos,
Estilhaços imprecisos e diversos,
Dispersos pelo chão, reluzentes
Como estrelas num céu refletido nas águas de um lago
Onde busco reconhecer-me . . .

Sou a memória de um lugar
Onde já fui feliz . . .
Meu Deus, outrora eram girassóis com largos sorrisos
Para dias infinitamente claros, céu azul, odor de frutas maduras! . . .

Outrora, tecia a vida com fios de sonhos
E era feliz!

Minha alma errante perdeu-se pelos atalhos da vida,
Ébria de encantamento,
Sonhando com as cores do arco-íris . . .
As ilusões esvaíram-se etéreas, farrapos de nuvens levadas pelo vento outonal.

Quedei-me sóbrio, atônito, diferente de mim,
Aparvalhado diante do chão reluzente
Dos pedacinhos de minha alma,
Imprecisos, dispersos . . .

Oliveira