sábado, 16 de fevereiro de 2008

Folha de papel em branco




Desfolho a rosa do viver
Como quem arranca as folhas de um diário, uma a uma;
Cada pétala conta um pouco de minha vida;
Cada pétala leva consigo:
Um grito engasgado na garganta,
Um soluço sufocado diante da janela aberta para a rua deserta,
Uma mágoa acalentada na solidão das noites insones,
Uma saudade amarelada pelo tempo,
As cinzas do que restou de um coração partido,
O gosto amargo dos desenganos,
A cor gris dos sonhos desfeitos numa tarde vazia e sem fim . . .
Leva-as . . . Oh vento!
Leva-as como se fossem as folhas-mortas do outono,
Leva-as para as distantes terras do esquecimento . . .
Passa . . . Oh vento!
Passa e apaga tudo . . .
Quero passar a limpo minha vida,
Quero sentir-me como se fosse uma folha de papel em branco . . .
Uma folha de papel em branco sobre uma mesa qualquer,
Qualquer mesa, pouco importa . . .

Oliveira

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Delírios nocturnos




Quantas palavras, tantas palavras
Cujo significado nos causam espanto;
Outras são carícias de seda chinesa
Sobre nossos corpos desnudos,
Transbordantes de sensualidade.
Nosso ninho de amor inundado
Com a avalanche de significados
Que elas suscitam:
Sonoridade de fontes que gorgorejam,
De canto de pássaros,
De sussurros de brisa que sopra
Segredos de cristais que brindam
O compartilhar de momentos felizes . . .

Pela janela aberta, sobre a cidade nocturna,
Uma infinidade de sons adentram
E dão-nos notícias de que, lá fora,
Apesar do aparente silêncio da hora-morta,
A vida pulsa numa convulsão incessante, contagiante . . .
O murmúrio das ondas chegam até nós
Como uma vaga impressão de gozo ao crepúsculo,
De contacto de nossos corpos sobre a areia branca . . .
Ao longe, o apito do trem desencadeia
Uma seqüência de imagens de paisagens capim-rosa-chá,
De pequenas povoações com suas casas coloridas,
De gente sentada nas calçadas,
De crianças com rechonchudas faces-maçãs,
De montanhas que se insinuam azuladas,
Na imprecisa distância,
De curvas que descortinam paisagens verde-marrom,
De casinhas brancas dentro de cercas
Que são desenhos feitos a lápis de cor . . .

Ah, meu amor, esqueçamos o lá fora,
Fujamos para o país dos sonhos,
Percorramos silenciosos os labirintos do esquecimento;
Ergamos nosso castelo de abandono
Num vale verdejante, rodeado de montanhas azuladas,
Onde a primavera é eterna,
Onde as águas em cascatas e cachoeiras
Cantam antigas cantigas de ninar
Para embalar nosso sonho de felicidade . . .

Oliveira

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Malmequer despetalado




Releio as páginas de minha vida:
Invade-me um misto de decepção e
Desencanto ao constatar
Que construí um império ignóbio e
Que não passei de um imperador ignoto.

Revejo uma trajetória tortuosa,
Cheia de altos e baixos, muitas omissões,
Alguns atos de bravura . . .
Acovardei-me diante de algumas situações,
Em outras, demonstrei destemor;
Não há grandes conquistas,
Não há nada que valha encher-me de júbilo.
Teci, no decorrer dos anos,
Muitos sonhos ornados de inflamadas pompas,
Mas o tempo os devorou impiedosamente . . .

Viver é muito perigoso . . .
Machuquei-me tantas vezes! . . .
As feridas não cicatrizam nunca . . .
Pelo caminho, encontrei quem soubesse tocar,
Cruelmente, nas feridas, fazê-las sangrar . . .
Horas amargas que despertaram em mim
Ímpetos de vingança, vontade de trucidar,
Da matar pouco a pouco,
Gozando o desespero do tormento,
A agonia de ver esvair-se, romper-se a vida . . .

Outras vezes, encontrei quem soubesse despertar em mim
Sentimentos de ternura, de amor . . .
Horas de colorido primaveril,
De sol despontando em todo seu esplendor
No horizonte marinho,
Sorriso de cascata que enche de alegria
O universo tranqüilo da floresta de alheamento
Em que me refugio . . .

Ergui uma muralha de indiferença em torno de mim,
Vesti a máscara e esqueci-me de quem sou
Para ser o que desejam que eu seja:
Um estrangeiro, um rosto na multidão . . .
Desfolhando a rosa do viver, o malmequer da vida . . .

Oliveira