sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Hibernal 02 Para Marcos Vinícius





Neva copiosamente! . . .

Soam quatro hora no relógio da sala;
Cada badalada dói-me
Como um punhal cravado em meu peito.
Entrego-me ao delírio . . .
A passagem das horas vai devorando a vida,
Corroendo a existência fadada à decrepitude,
Desmoronando os sonhos . . .
Abro o pequeno baú com cartas, fotos
Que compõem a colcha de retalhos
Dos sonhos vividos para além da distância,
Perdida na espiral do tempo . . .


Da torre de meu abandono, fabriquei sonhos,
Conquistei impérios,
Explorei a vastidão dos mares . . .
Hoje, na torre de meu abandono,
Rememoro os sonhos desfeitos,
Os impérios que não conquistei,
A vastidão dos mares que não explorei
E amargo o remorso de não ter sabido
O que fazer de mim . . .

Desavim-me pelas vielas da vida, ávido de anseios;
A areia fina de meus sonhos desfeitos
Escoou por entre meus dedos lassos;
Entorpeci-me de ópio, de vodka, de blues e de desenganos
E sempre fui palhaço nos vestígios interiores de minha vida . . .

Órfão da vida, mendigo qualquer coisa que me falta
E que, talvez, jamais encontre . . .
Vagueio pela sala quase embriagado:
O ópio, a vodka e o blues transportam-me
Para um mundo indolor,
Ainda que equivocadamente.
Pouco me importa!
Pelo menos a dor não passa de um substantivo abstrato.
Sinto-me imunizado, até rio da possibilidade de haver dor.
Ah, o ópio! Que agradável seu aroma
E que deslumbrante sua essência viajando por meu corpo
E inundando meu cérebro com sua potência onírica,
Explodindo em fogos de artifício:
Delírio das grandezas exposto ao gozo sublime!

Neva, neva, neva tristonhamente! . . .
A solidão emerge sorrateira do abismo de quem sou,
Apodera-se altaneira do brilho que alumia meus dias,
Cerra a cortina de bruma,
Envolve-me, conduz-me ao degredo,
Incapacitado de um gesto de discordância . . .

Oliveira

Hibernal 01 Para Marcos Vinícius


Neva, neva, neva . . .

Uma cortina de bruma desaba, estupidamente,
No palco de minha vida,
Como se fosse um lânguido entardecer,
Um dolente crepúsculo com repiques de sinos ao longe . . .
Uma angústia despropositada encharca-me
Com seu odor de flores murchas,
Com seus soluços contidos . . .


Meu coração chora a pompa de outrora felizes . . .
Outrora, havia rosas, rosas de todas as cores
No jardim de minha infância perdida:
As rosas feneceram,
O jardim sucumbiu,
Desavim-me pelos descaminhos da vida . . .

Meu coração veste-se de negro,
Meu coração perdeu o encanto pela vida,
Meu coração pulsa sem alegria,
Meu coração é um velho casarão desolado . . .

Os dias decorrem hibernais . . .
Neva abundantemente! . . .
As ruas estão desertas, ébrias de brancura . . .
Na lareira, crepitam as achas de sândalo
Que inundam a sala com seu aroma primaveril.
Que desconsolo! . . .
Que frio na alma entorpecida de solidão! . . .


Neva incessantemente! . . .
Lembro-me de que em minha infância,
Quando iniciava o inverno,
Apoderava-se de mim um sentimento obscuro,
Um misto de medo e pressentimento negro
Ao ver as árvores despidas de sua folhagem.
Faz tanto tempo, mas ainda hoje,
Experimento a mesma estranheza,
Quando me quedo diante da janela
E miro esta brancura mortiça,
Deusa desta desolação infinita! . . .

Continua a nevar . . .
Cerro as cortinas, rumino lembranças . . .
O manto negro da noite cobre-se de neve;
A noite parece mais assombrosa . . .
Minhas sensações são uma avalancha
Numa queda vertiginosa para o nada . . .

Oliveira