quinta-feira, 18 de junho de 2009

Tango


Meu amor por ti foi como um tango
Cheio de angústia,tristeza e farsa,
Bailado na doçura do fingindo aconchego de nossa intimidade . . .
Nossos corpos envolvidos pelos acordes da paixão
Que se desvaneceu com as cinzas em meu entristecido coração . . .
Por isso bebo,
Bebo essas mágoas passadas como um rio que se avoluma,
Que não cabe em si,
Que está na iminência de transbordar . . .
O gim já não me transporta para o mundo
Dos velhos sonhos que quero sonhar;
A noite caiu em mim,
Longa noite de meu fracasso . . .
Meu coração pede uma mentira
Para esperar teu impossível regresso . . .
Não vens! . . . Não vens! . . .

Deixem que eu fique nesta calçada,
Curtindo minha amarga e funda solidão,
Chorando, desesperado, os acordes deste triste tango
Que viola o silêncio, que dilacera meu coração . . .
Deixem que eu fique aqui no doce abismo de ser só! . . .
Passas . . .
Passas diante de mim como uma avalanche . . .
Desmorono-me, desintegro-me . . .
Passas indiferente . . .
Fico escombros de quem fui . . .

Oliveira

Mar de Iparana


Quando penso em nós,
Caminhando diante do mar de Iparana,
Sob a púrpura do crepúsculo,
Nossos corpos bronzeados,
Invade-me uma ternura antiga
Que teima em sobreviver,
Apesar da fugacidade dos anos,
Apesar da distância intransponível que nos separa,
Que nos tornam dois entes solitários.

Quando penso em nós,
Caminhando diante domar de Iparana,
Vêm-me à lembrança as canções que cantávamos
E que compunham a trilha sonora de nosso amor . . .
Tínhamos o mar por confidente e testemunha,
Tínhamos o mar a embalar nossos sonhos
No aconchego de seu colo maternal:
Dormíamos e sonhávamos outros mares,
Com ilhas orladas de coqueirais,
Mar verde-esmeralda beijando a areia branca
Numa carícia sensual . . .

Quando penso em nós,
Caminhando diante do mar de Iparana,
Invade-me uma saudade com a cor de rosas murchas,
Esquecidas entre as páginas de um velho livro de poemas . . .
(O livro está no sótão de uma velha quinta,
Sobre uma mesa empoeirada,
Morgando a espera de que chegue o outono
Com suas tardes monótonas e vazias,
Com o gotejar agonizante das folhas empalidecidas
Que se desprendem numa verticalidade sonolenta
E se esparramam no chão, silenciosamente,
Cumprindo um ritual milenar
De se deixarem levar pelo vento
Até se perderem no infinito . . .)

Quando penso em nós,
Caminhando diante do mar de Iparana,
Descubro-me outro: longínquo,
Distinto de mim, despido da realeza que sonhara,
Vestido de solidão . . .

Oliveira

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Prece



Meu Deus, livrai-me de mim!
Livrai-me dos fantasmas que habitam os porões de meu ser;
Livrai-me do ódio que, às vezes, emerge
Das profundezas de quem sou,
Com fúria de vulcão querendo tudo destruir;
Dai freio a minha língua que, às vezes,
Fere impiedosamente como fio de navalha.

Abrandai, adoçai, enternecei meu pobre coração
Que não aprendeu nada,
Que não sabe o que é sossego,
Que sangra copiosamente,
Que grita desesperado no silêncio da noite vazia,
Que se transformou num deserto sem oásis,
Que está fechado pra o mundo . . .

Dai-me, Senhor, forças e luz
Para suportar o pesado fardo de ser assim,
De querer, geniosamente, que seja assado;
Perdoai-me a teimosia, o hermetismo;
Segurai minhas mãos para que elas não executem ações
Das quais eu possa envergonhar-me . . .

Iluminai-me para que eu não deixe morrer
A criança que há em mim,
Concedei-me a graça de que através dos olhos dela
Eu possa enxergar o mundo em sua plenitude
E as pessoas com humildade, caridade e fraternidade.
Meu Deus, tende compaixão, piedade e misericórdia de mim!

Oliveira

sábado, 17 de janeiro de 2009

Hibernal 04 Para Marcos Vinícius


Continua a nevar estupidamente . . .
Fecho os olhos, busco evadir-me desta realidade que me aprisiona . . .
As praias que conheci . . .
Percorrê-las, dava-me a sensação de realização plena,
De total posse de mim . . .
Talvez, numa época distante, fora feliz à beira-mar:
Sinto o cheiro daquele mar de sargaços,
Beijando as dunas sob um céu de lua-cheia e estrelas cintilantes;
Diante daquele mar, sonhei viver um grande amor.

Tudo mentira.
Meus sonhos naufragaram agonizantes no mar das desilusões,
Numa noite sem luar e sem estrelas . . .
Passei a caminhar pela orla marítima,
Movido pela sede insaciável de encontrar os escombros de meus sonhos . . .

Eis-me diante do velho cais de pedra-solidão;
Na tarde triste, o ocaso ensangüentado . . .
Ao largo de mim, embarcações vestidas de alheamento . . .
Um rumurejo longínquo chega até mim,
Vem do porão de escombros de meus sonhos naufragados . . .

Pouco me importa que a cidade pulse, agigante-se
À espera da noite que chega sorrateira . . .
Aqui, o mar, também, pulsa e agiganta-se
De encontro às pedras do cais,
Numa sinfonia de lamentos de fera indomável.
Permaneço imóvel, hipnotizado,
Meus sentidos estão postos na imensidão marítima
Onde as horas decorrem lânguidas, lassas . . .

Meu Deus, meu Deus, meu Deus! . . .
Neva abundantemente . . .
Quisera esquecer-me de mim,
Abandonar-me, entregar-me ao entorpecimento,
Fingir-me outro,
Exilar-me nas profundezas do desconhecido
E conhecer-me, pasmar diante de quem sou no reverso do espelho . . .
Neva, neva, neva estupidamente . . .

Oliveira