sábado, 27 de dezembro de 2008

O muro 02





Sou eu sozinho neste mundo e este outro,
Que sou eu, mas distinto de mim,
Entre duas paisagens
Que se comprimem contra este muro -
Tão velho e tão o mesmo de então, mas coberto de hera -
Num confronto entre o grito de vida
E o ser citadino perturbado
E corrompido pelo convívio social.
Sempre esse muro, símbolo de duplicidade vital,
Sendo momentaneamente ponto de intersecção
E de separação dessa duplicidade:
Conjugando finito e infinito, poucas vitórias e muitas derrotas,
Sendo expressão de meu limite material e humano.
Vivo a sonhar, alternadamente,
Dentro e fora desse muro:
Aquém do muro do quintal de minha infância
Minha ingenuidade pueril,
O desconhecer o mar que me levará à viagem-retorno,
O ver as naus singrarem para o indefinido,
Parado diante do cais de pedra-solidão,
Sonhando com outros cais de onde, talvez,
Tenha partido ébrio de sonhos,
Antes de mim, feliz por desconhecer . . .
Além do muro começa vida:
A consciência angustiosa da morte,
O contacto com o infinito,
A impossibilidade de voltar atrás,
O conflito entre o que se perdeu no tempo
E a luta vã de querer despir-me de quem sou . . .
Oh, Deus, quero esquecer-me
Do modo de lembrar,
Quero esquecer-me de saber
A diferença entre ser e viver! . . .

Oliveira

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Hibernal 02 Para Marcos Vinícius





Neva copiosamente! . . .

Soam quatro hora no relógio da sala;
Cada badalada dói-me
Como um punhal cravado em meu peito.
Entrego-me ao delírio . . .
A passagem das horas vai devorando a vida,
Corroendo a existência fadada à decrepitude,
Desmoronando os sonhos . . .
Abro o pequeno baú com cartas, fotos
Que compõem a colcha de retalhos
Dos sonhos vividos para além da distância,
Perdida na espiral do tempo . . .


Da torre de meu abandono, fabriquei sonhos,
Conquistei impérios,
Explorei a vastidão dos mares . . .
Hoje, na torre de meu abandono,
Rememoro os sonhos desfeitos,
Os impérios que não conquistei,
A vastidão dos mares que não explorei
E amargo o remorso de não ter sabido
O que fazer de mim . . .

Desavim-me pelas vielas da vida, ávido de anseios;
A areia fina de meus sonhos desfeitos
Escoou por entre meus dedos lassos;
Entorpeci-me de ópio, de vodka, de blues e de desenganos
E sempre fui palhaço nos vestígios interiores de minha vida . . .

Órfão da vida, mendigo qualquer coisa que me falta
E que, talvez, jamais encontre . . .
Vagueio pela sala quase embriagado:
O ópio, a vodka e o blues transportam-me
Para um mundo indolor,
Ainda que equivocadamente.
Pouco me importa!
Pelo menos a dor não passa de um substantivo abstrato.
Sinto-me imunizado, até rio da possibilidade de haver dor.
Ah, o ópio! Que agradável seu aroma
E que deslumbrante sua essência viajando por meu corpo
E inundando meu cérebro com sua potência onírica,
Explodindo em fogos de artifício:
Delírio das grandezas exposto ao gozo sublime!

Neva, neva, neva tristonhamente! . . .
A solidão emerge sorrateira do abismo de quem sou,
Apodera-se altaneira do brilho que alumia meus dias,
Cerra a cortina de bruma,
Envolve-me, conduz-me ao degredo,
Incapacitado de um gesto de discordância . . .

Oliveira

Hibernal 01 Para Marcos Vinícius


Neva, neva, neva . . .

Uma cortina de bruma desaba, estupidamente,
No palco de minha vida,
Como se fosse um lânguido entardecer,
Um dolente crepúsculo com repiques de sinos ao longe . . .
Uma angústia despropositada encharca-me
Com seu odor de flores murchas,
Com seus soluços contidos . . .


Meu coração chora a pompa de outrora felizes . . .
Outrora, havia rosas, rosas de todas as cores
No jardim de minha infância perdida:
As rosas feneceram,
O jardim sucumbiu,
Desavim-me pelos descaminhos da vida . . .

Meu coração veste-se de negro,
Meu coração perdeu o encanto pela vida,
Meu coração pulsa sem alegria,
Meu coração é um velho casarão desolado . . .

Os dias decorrem hibernais . . .
Neva abundantemente! . . .
As ruas estão desertas, ébrias de brancura . . .
Na lareira, crepitam as achas de sândalo
Que inundam a sala com seu aroma primaveril.
Que desconsolo! . . .
Que frio na alma entorpecida de solidão! . . .


Neva incessantemente! . . .
Lembro-me de que em minha infância,
Quando iniciava o inverno,
Apoderava-se de mim um sentimento obscuro,
Um misto de medo e pressentimento negro
Ao ver as árvores despidas de sua folhagem.
Faz tanto tempo, mas ainda hoje,
Experimento a mesma estranheza,
Quando me quedo diante da janela
E miro esta brancura mortiça,
Deusa desta desolação infinita! . . .

Continua a nevar . . .
Cerro as cortinas, rumino lembranças . . .
O manto negro da noite cobre-se de neve;
A noite parece mais assombrosa . . .
Minhas sensações são uma avalancha
Numa queda vertiginosa para o nada . . .

Oliveira

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Dadaísmo 01


Sem nós dois, o que resta sou eu,
Eu assim tão só.
Assim eu não vivo,
Eu morro pensando no nosso amor.
A saudade existe
E se vem, é tão triste!
Entenda que assim eu não vivo.
Olhei a vida e me espantei:
Eu tenho mais de vinte anos,
Eu tenho mais de vinte muros,
O sangue jorra pelos furos.
Eu quero as cores e os colírios –
Meus delírios.
Invento um cais
(Saveiros partem embandeirados para destino-solidão),
Invento mais que a solidão me dá,
Invento o mar,
Invento em mim o sonhador.
Sem teu amor, eu não posso viver.
Ah, o amor, quando é demais, leva a paz,
Entreguei-me sem pensar,
Entenda-me,
Assim eu não vivo,
Eu morro,
Pensando no nosso amor.

Oliveira

sábado, 9 de agosto de 2008

Para dizer adeus



Da janela, vejo a tarde esvaindo-se em sangue . . .

Uma tristeza salpicada de púrpura

Encharca-me a alma . . .

Ah, triste como uma rua deserta na madrugada!

As rosas que enfeitavam o jardim de nosso amor

Feneceram,

O fogo da lareira que aquecia nossa paixão

Extinguiu-se;

Restam as cinzas de nossos propósitos,

A lembrança de nossas noites diante da lareira,

A nostalgia embalada ao sabor da música de Chopin

E uma saudade antecipada de quem fomos . . .

Partirei sem bater a porta

Para evitar o desgaste da despedida,

Para evitar as palavras vãs,

Para não lamentarmos os escombros de nosso amor . . .

Desculpa-me os erros,

Desculpa-me as faltas,

Desculpa-me se não soube o que fazer

Para acalentar teus anseios,

Desculpa-me pelas vezes em que me deixei levar

Pela correnteza do egoísmo,

Desculpa-me se não soube amar-te:

Lamento muito por nós dois,

Mas meu coração não se contenta com nada,

Meu coração não aprendeu nada . . .

Meu coração velho casarão sem portas nem janelas,

Meu coração catedral fechada,

Meu coração Saara ao meio-dia,

Meu coração terra de miragens,

Meu coração oásis no meio do nada,

Meu coração ave de arribação . . .

Desculpa-me as mágoas . . .

Vou para não voltar:

Meu destino é caminhar sempre sozinho . . .

Adeus! Adeus! Adeus! . . .


Oliveira

sexta-feira, 23 de maio de 2008

verbete 07


Outono - 1. monotonia de aldeia adormecida; 2. dolência de sino
na hora crepuscular; 3. botão de rosa amarelecida entre as
páginas de um livro de poesias; 4. acordes longínquos de violino
na tarde vazia; 5. paisagem esmaecida em púrpura gasta;
6. folhas-mortas rodopiando atarantadas ao sabor do vento;
7. nostalgia empoeirada do velho sótão da quinta de minha
infância perdida; 8. decorrer sonolento das horas devorando o
tempo; 9. angústia de charco ao pôr-do-sol; 10. solidão das árvores
despidas ao luar; 11. ponte entre a nostalgia e o tédio.

Oliveira

terça-feira, 20 de maio de 2008

Momentos de ser . . .



A criança caminha feliz no mundo da fantasia,
De mãos dadas com a inocência;
Constrói seu caminho com a magia dos sonhos;
Sorri, porque tudo é esquecimento e encantamento . . .
O adolescente cai no abismo da realidade,
Apavora-se diante de um mundo conflitante,
Alia-se à rebeldia para combater o inimigo imaginário:
Com sua metralhadora nas mãos, lança projéteis de ódio
Para todos os lados, numa fúria de mar em maré-cheia -
Quantos desatinos, quantas batalhas perdidas! . . .
O adulto traz em si a mansidão do mar em maré-vazante,
Tenta conciliar seu mundo interior,
Cuida de suas feridas,
Arruma os escombros de seu império ignoto,
Tem a prudência como conselheira,
Procura viver em paz consigo mesmo e com o mundo . . .
O velho adquiriu a sabedoria e
Caminha tranqüilo,
Rumo ao pórtico que se abre para o infinito,
Como um rio que corre para o mar,
Alheio aos rumores cotidianos,
Senhor de seu mundo,
Senhor de si . . .

Oliveira

Ah, teu corpo! . . .



Teu corpo transbordante de sensualidade insinua-se,
Sem que tenhas consciência disso,
E desperta-me a luxúria, a libido . . .
Entre teu corpo e meu desejo dele,
Ergue-se um imenso mar de sargaços
Com naus que partem para o indefinido . . .
Sinto-me como alguém que morre de sede diante do mar:
Ver teu corpo, mas não poder tocá-lo, meu desejo naufraga
Num oceano noturno sem faróis para me guiar . . .
Fabrico sonhos de possuí-lo;
Imagino tê-lo desnudo diante de mim,
Por entre minhas mãos que percorrem lassas
A maciez de pêssego e se detêm em cada detalhe . . .
Transbordamento de erotismo:
Êxtase . . .
Ah, que seria teu gozo, meu gozo,
Teu gozo em meu gozo . . .

Oliveira

terça-feira, 6 de maio de 2008

Tarde de domingo



Solidão . . .
A tarde avança para o crepúsculo preguiçosamente.
Desértica tarde de domingo: monótona, calada, entediada de si.
Creio que o amor acaba numa tarde assim,
Mesclado de tédio, desespero e tristeza de sol-poente
Para além de charcos-solidão . . .
Sozinho na sala povoada dos fantasmas que outrora fomos.
Teu perfume ainda passeia montado na brisa que entra
Pela janela aberta para o mar.
Na vitrola, um blues acalanta lembranças de nosso amor.
Nosso destroçado amor.
Restaram os escombros e essa dor pungente,
Esse vazio cheio de interrogações.
Bebo. Embriago-me com absinto.
Bebo as águas passadas, os desenganos, os desencontros.
Embriago-me de mim, de ti e de nós . . .
E todas essas águas encharcam-me,
Avolumam-se dentro de mim numa volúpia desaguarem no mar . . .
No mar das desilusões, deságuo minhas lágrimas,
Que num turbilhão de fúria e revolta incontidas,
Levantam-se em ondas gigantescas,
Avançam rumo à praia e rebentam em sons e espumas
Numa inquietação angustiante. Releio tuas cartas.
Cartas de fingido amor. Que tarde inútil!
O amor acaba diante do mar azul para recomeçar
Numa mesa de bar ou numa transversal do tempo;
O amor acaba e leva consigo um pedaço de quem fomos;
Quem fomos caminha em direção oposta,
Alheados de si.
Fim de tarde. Inútil tarde de domingo . . .
Inútil como meu vaguear entorpecido
Pelos mares da ilusão.
A tarde se esvai, no declinante desmoronamento
Das horas-fúnebres, tingida de vermelhidão -
Imensa cicatriz em meu peito arfante.
Minha realidade imediata é este entardecer
Ensangüentado, este blues triste
Que Billie Holiday canta, acarinhando-me a alma-partida.
Divago ébrio, entorpecido, confuso
Como o conteúdo de uma gaveta por arrumar . . .
Domingo. Que dia horrível!
Que tarde vazia, tão clara e sem fim! . . .
Funerais do amor numa cidade mourisca,
Na tristeza púrpura do ocaso . . .
Pétalas de rosas que a brisa leva para o mar . . .
Lágrimas amargas molhando as pedras seculares
Da rua tortuosa, antiga, inútil como tudo! . . .

Oliveira

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Saudosismo




Saudade! . . .
Quanta saudade! . . .
Saudade cada vez mais tanta! . . .
Saudade vestida com o manto outonal,
Saudade orquestrada com os acordes de piano e violinos;
Saudade de minha infância extraviada na curva do tempo
Que se perdeu na poeira dos propósitos mortos;
Saudade até do que não foi . . .
Saudade do velho casarão da quinta,
Saudade da velha quinta com seu imenso quintal
Onde brincávamos sob a sombra de frondosas mangueiras;
Saudade da velha jaqueira onde costumava fabricar sonhos -
Ah, meus sonhos perderam-se pelos descaminhos desta vida! . . .
Saudade dos fins de tarde hibernais
Que decorriam sonolentos, brumosos . . .
Saudade das noites intermináveis, povoadas de relâmpagos, trovões,
E o vento soprava furioso, despertando em nós os fantasmas do medo;
Saudade das pipas coloridas que pairavam etéreas no azul
Quase inexistente do céu de julho;
Saudade das tias maternas que nos visitavam,
Trazendo novidades para nosso paladar;
Saudade do jardim repleto de papoulas e rosas de várias tonalidades,
Dos cachos de flores amarelo-ouro de minha acácia primaveril,
Dos girassóis de olhos arregalados de espanto,
Das borboletas matutinas de cores extravagantes,
Voejando pelo jardim –
Ah, meu jardim de um colorido festivo! . . .

Dos beija-flores dançando seu balé rítmico
Ao som alucinante de tambores tribais,
Eco longínquo de mãe África selvagem . . .
Saudade das noites juninas com suas fogueiras,

Saudade dos carrosséis girando fábrica de sonhos
Nos festejos do padroeiro: Bom Jesus dos Passos;
Saudade dos mortos queridos que fui perdendo
No desenrolar monótono dos dias . . .
Saudade dos sonhos que se deterioraram,
Da inocência que se diluiu em púrpura . . .
Saudade! . . .
Quanta saudade! . . .
Saudade do tudo quanto perdi irremediavelmente! . . .

Oliveira




sexta-feira, 18 de abril de 2008

Agosto




Dos doze, és o injeitado, o indesejado.
Teu nome é sinônimo de desgosto.
Todos ou quase todos viram-te a cara.
És o único a iniciar-se aziago.
És a ironia destilada, a antítese extravagante,
O cume do pico-alegria, o fundo profundo do poço-tristeza,
O bruxo e o antídoto de todas as bruxarias.
És a intersecção entre a candura angelical e a carranca abominável
do algoz que comete atrocidades inomináveis.
És dúbio, porque albergas em ti o verso e o reverso das coisas.
És ambíguo por natureza: tens alguma coisa de estival
E qualquer coisa de outonal.
És o avesso, o disparate, o tormento cruel entre
Querer esquecer e a impossibilidade do esquecimento.
Há gosto de fruto temporão no ar,
Há gosto acre-doce de sangue e gargalhadas, de risos e de lágrimas;
Há gosto de perfume de lírios ao luar, de brisa marinha
Que acaricia languidamente o corpo de meu pressuposto amor:
Meu amor tem os olhos de tempestade ao entardecer,
Olhos de saveiros naufragados,
Olhos de mar azul-turquesa no intervalo entre
A maré-vazante e a maré-cheia.
Tens uma beleza magnífica:
A mão divina pinta, todos os dias, com excessos de perfeição,
Tua aurora e teu ocaso;
Teus dias sucedem-se plenos de luminosidade;
Teu céu é de um azul ímpar;
tuas noites são límpidas e estreladas, e
A lua mostra-se mais majestosa em sua beleza dura e fria.
Agosto, preterido dos poetas,
Quisera eu cantar-te em odes,
Quisera eu ter palavras para falar-te de
Meu bem-querer por ti . . .
Quisera . . .

Oliveira

segunda-feira, 17 de março de 2008

Viagem ao exílio



Embarquei num navio de angústias sonâmbulas
Por oceanos outonais cujo destino final
É naufragar num mar de folhas-mortas . . .
Pouco me importa! . . .
Bebo vinhos finos numa taça de amargura,
Entorpeço-me com ópio por distração . . .
Mergulho numa Veneza-de-tédios,
Numa masmorra de silêncios depostos . . .
Minha memória esqueceu o caminho de regresso,
Minha vontade jaz paraplégica no tombadilho . . .
Descubro que a primavera de outrora extraviou-se,
Irremediavelmente,
Que o amor desatinado e tenaz não foi mais que uma verdade efêmera,
Que o passado é uma mentira . . .
Meu Deus! . . . Meu Deus! . . .
A vida acumulou entorpecentes montanhas de lixo nostálgico em meu coração -
Meu pobre coração morre lenta e inexoravelmente como um rio poluído . . .
A solidão purificou as lembranças mais amargas,
O tédio instalou-se em minha vida com seu manto bordado de indiferença . . .
Pouco me importa que o mundo desabe,
Que o mar levante-se em fúria cega
E que as vagas engulam este navio . . .
É-me, totalmente, indiferente! . . .
Deixo-me ficar no convés, vestido de alheamento,
Cadáver de quem fui . . .

Oliveira

quinta-feira, 6 de março de 2008

Carta não enviada a um amor platônico



Meu amor, teus olhos longínquos despertam em mim
Imagens de paisagens exuberantes
Que desejaria como refúgio para nosso amor.
Olhos castanhos que refletem castelos mouriscos
Nos quais me perco por labirintos de me encontrar.
Os castelos estão num vale coberto de flores de colorido diverso.
Um rio de águas cristalinas corre mansamente em direção ao mar distante e
Reflete o quase inexistente azul do céu e o colorido das flores
Que contrastam com o verde frondoso das poucas árvores majestosas
E de existência secular.

Meu amor, estás sempre com o olhar distante, fechada em teu mundo. . .
Se sorrisses para mim, sentir-me-ia possuído por uma emoção ímpar,
Diante de uma paisagem com cachoeiras que cantam uma sinfonia
De murmúrios em parceria com o cântico dos pássaros.
E eu, criança maravilhada, deixar-me-ia levar pela mão
Por essa paisagem encantada . . .
Se sorrisses, algo mágico sucederia: fogos-de-artifício desmanchando-se
Em cascatas de risos na noite enluarada, orgias desmanteladas
regadas a vinho . . .

Meu amor, tua pele clara exala o perfume dos lírios
Que enfeitam os jardins japoneses e tornam agosto cheio de sutilezas.
Olho-te e descortina-se diante de mim a simetria quase-perfeita
De uma cidade marroquina com suas casas brancas,
Despertando para a ardência de um dia de sol intenso.

Meu amor, és linda e enigmática como o mês de agosto:
Tens os mistérios e os encantos dos dias ensolarados,
A suavidade da brisa que sopra soberana pelas praias de areias brancas
E toca de leve as folhas das palmeiras
Que embalam meu sonho de ter-te em meus braços.

Sonho-te desnuda, oh meu amor, à beira-mar, sob a luz do luar.
Como és bela!
Sinto teu cheiro: sou o erotismo que desperta tua libido;
Sou a essência molecular do cio que percorre teu corpo
Em avalanches metamorfoseantes
Que desencadeiam a ativação de todos os sentidos;
Sou o desejo em crescente efervescência que corre por tuas veias
Como lavas de um vulcão em contínua erupção;
Sou o cheiro embriagador de tua genitália que a brisa marinha traz
E que sibila, serpenteia, ondeia em espirais na busca cega e desenfreada de gozo.

Meu desejo por ti é ardente como a fome de um leão
Diante da visão de uma gazela alheia ao perigo.
Meu desejo por ti possui a beleza devastadora do mar em fúria,
Avançando contra os rochedos com uma força intrigante e avassaladora.
Meu desejo por ti alberga a velocidade desordenada e destruidora dos ciclones
Que devastam as praias orladas de coqueiros.
Meu desejo por ti é uma antologia pornográfica,
Colhida em todas as revistas e filmes, numa seqüência interminável de imagens,
Que se chocam de cara contra teu puritanismo de donzela recatada.

Vejo-te.
Sou a serenidade e a suavidade de uma pacata aldeia cravada entre montanhas.
Sou um dia outonal numa cidade mourisca,
Sou as folhas rubras arrastadas pela brisa,
Sou o desnudamento colorido de todas as árvores
Que se preparam para enfrentar o inverno.
Sou o dolente ocaso , visto de uma colina majestosa,
Que tem a seus pés a imensidão de um vale florido.
Sou a nuvem passageira que se desfaz em chuva-abraço-envolvente em teu corpo quente.
Sou o torpor-cortina-de-sono que fecha teus olhos.
Sou as imagens oníricas que colorem teu adormecer.

Meu amor, oh meu grande bem, teu olhar distante são saveiros
Que aguardam a hora de partir à beira de um cais desértico;
São naus que singram para o destino-solidão;
São navios-silhuetas-embaçadas diante de marejados-olhos-saudades.
Do cais, vejo-os partirem, vejo-os saindo da barra,
Vejo-os-os entrando em mar aberto,
Vejo-os sumirem na distância: minúsculos pontos,
Vejo-os fumo na imensidão . . .
Meus olhos estão marejados,
Meu coração soluça lágrimas amargas . . .

Oliveira

domingo, 2 de março de 2008

Meu coração



Meu coração cais sem embarcações;
navio encalhado ao largo;
âncora esquecida no fundo do mar;
barco velho de quilha virada numa praia deserta.
Meu coração escombros de um império ignoto;
salão suntuoso que guarda a memória pomposa
de um tempo que ruiu;
cárcere irremediavelmente fechado -
o carcereiro atirou a chave ao mar.
Meu coração aldeia saqueada por bárbaros;
cidade arrasada pela fúria cega da natureza;
beco escuro onde se cometem atos torpes;
cacimba vazia em leito de rio seco.
Meu coração gaveta por arrumar;
baú empoeirado no sótão da quinta;
rosa murcha guardada num livro de poesias;
folhas-mortas nas alamedas do esquecimento;
porão de escombros do castelo de areia que desmoronou.
Meu coração pórtico partido para o infinito;
ponte que liga o nada a coisa nenhuma;
cortina de bruma no horizonte incerto da felicidade;
livro do desassossego esquecido num banco de praça;
taça de cristal espatifada no chão da lógica;
mala esquecida no bagageiro do trem da alegria . . .
Meu coração grito de desespero sem eco nas cordilheiras da alma;
lareira apagada no inverno de ser . . .
De ser qualquer coisa:
fome de retirante,
sede de flagelado,
ânsia de náufrago,
delírio de bêbado,
angústia da tarde que finda ensangüentada . . .

Oliveira

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Ode outonal



Se pudesse eleger minha paisagem de coisas memoráveis,
Elegeria o velho casarão da quinta de minha infância perdida,
Localizado numa aldeia distante, num outono de melancolia amarelecida,
À hora crepuscular, com o repicar de sinos, ao longe . . .

Outrora eram soluços graves de violinos,
Lamentos magoados de violões,
Langor dolorido de piano,
Janelas abertas para o vale em ouro,
Árvores vestidas de tristezas depostas e de mágoas antigas.
Recordo, e minha alma se enche de uma ânsia pálida,
De uma saudade brumosa . . .

Hoje sei que minha alma pressentia o cárcere mudo,
A dor no desamparo do calabouço . . .
Eu não tinha o coração partido,
Não sabia interpretar com clareza o turbilhão de emoções gris
Que se agigantava quando, ao longe,
Soava a hora do entardecer . . .

Ah, meu Deus!
Hoje são girassóis de tédio,
Velhas chagas abertas,
Réquiem do sol nas horas trêmulas do ocaso,
Dolências de lírios e de rosas,
Vento em atropelo no ar que alberga folhas-mortas
Que se desprendem atônitas, amareladas e
Que se deixam levar entorpecidas, ébrias e decaídas . . .

Ouço, vindo de muito longe,
O dobre dolente dos sinos de minha infância perdida -
Pipa feita com as cores dos sonhos,
Planando majestosa na palidez azul do céu, na tarde infinda . . .
Por certo, dobram por meus desenganos, pela nostalgia que sinto
Ou pela assombrosa saudade dos dias que se perderam no tempo . . .
Dobram, dobram e dobram por meu espanto
Diante desta hora vestida de púrpura,
Hora em que não sei o que fazer de mim . . .

Outono. Fim de tarde.
Tudo parece diluir-se em cores fortes e sossego!
Um vento brando toca as folhas-mortas
Que rodopiam num balé triste e sincronizado . . .
Os pássaros cantam seus últimos acordes sonoros,
Agradecendo o dia que se esvai em sangue . . .
Ouço Chopin diante da lareira para amenizar as saudades
Que entristecem meu coração . . .

Meu Deus! Outono!
Tempo de acordar os velhos fantasmas adormecidos,
Enxotá-los ao diabo que os carregue . . .
Arrumar as gavetas: jogar fora velhas recordações;
Chorar rios de lágrimas diante de velhas cartas de amor,
Embriagar-me com absinto,
Encharcar-me de lembranças caducas . . .
Outono! Folhas-mortas! Tédio de ser! . . .

Oliveira

domingo, 24 de fevereiro de 2008

O grito




Meu grito emerge
Do abismo de minha solidão,
Agiganta-se,
Procura encontrar eco na aridez dos desertos,
Nas montanhas longínquas,
Na imensidão dos mares,
No tumulto dos centros urbanos . . .

Oh, transeunte do acaso,
Na esquina de uma rua qualquer,
Ouve meu grito de socorro!
Arranca-me dessa solidão,
Dessa masmorra em que me enclausurei!
Ressuscita-me para a frivolidade do cotidiano!

Hoje, quero perder-me pelas vielas de ser,
Quero filosofar diante de um balcão de botequim,
Quero rir de tudo, de todos, da vida, de mim mesmo;
Quero chorar todos os rios que deságuam em mim;
Quero embriagar-me, inebriar-me, entorpecer-me
Com todas as delícias clandestinas . . .
E depois . . . Depois . . . Ah! . . .
Pouco me importa o que venha depois! . . .

Oliveira

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Carrossel



Gira carrossel de minha infância,
Gira no tempo que se perdeu,
Gira nas noites juninas,
Gira nas festas natalinas dos velhos parques de diversões,
Gira cheio de magia, indiferente à passagem do tempo,
Gira colorido, iluminado, velha fábrica de sonhos
Que se desfizeram ao som de marchas fúnebres.
Meu Deus, minha infância perdida! . . .
Os cavalinhos subiam e desciam
Enquanto o carrossel dava voltas,
Embalando a fantasia da criançada feliz e indiferente
À destruição de todos os nossos castelos de sonhos . . .
Evoco essas lembranças e vejo o parque de diversões,
O carrossel, os cavalinhos, as crianças -
Meu Deus, e eu sendo uma delas . . . -
Girando, girando num afastamento saudoso, longínquo
Para as terras do nunca-mais . . .
Minha alegria foi-se com minha infância perdida . . .
Quem fui extraviou-se no desenrolar do novelo da vida . . .
Quem sou desconhece-me.
Carrego comigo um baú cheio de ilusões caducas;
O sótão de minha alma reclama uma arrumação:
Fazer uma fogueira dos desenganos, dos dissabores,
Das decepções, dos amores malogrados,
E jogar as cinzas dos propósitos mortos
Na púrpura do ocaso, à beira-mar . . .

Oliveira

Embriaguez




Tranquem todas as portas,
Favoreçam-me com sua ausência,
Vão para o raio que os parta!
Quero ficar sozinho: basto-me com minha solidão!
Quero embriagar-me!
Quero sossego!
A mim, basta-me uma janela aberta para o mar,
Uma garrafa de vodka,
Uma música que embale minhas carências.
Quero mergulhar de cabeça no abismo de quem sou e desconhecer-me . . .
A voz de Nana Caymmi . . . Maravilhosamente fossífera:
Sua voz me conduz por veredas tortuosas
Que desembocam em precipícios de mim . . .

Bebo: embriago-me, entorpeço-me, inebrio-me de sensações desmanteladas.
E daí? Deixem o mundo cair! Pouco me importa!
Tratados de Teologia, Filosofia e Psicologia -
O diabo que os carregue . . .
Em séculos de existência, não deram à humanidade
Senão uma concepção vaga da idéia de Deus,
Um falso rasgo de luz por trás de uma cortina de bruma.
A mim, pouco me importam, visto que não curam minha dor!
Para o inferno todos os teólogos, filósofos e psicólogos,
mas sem mim!
Por que compartilharia o mesmo espaço com essa gente
Que se envaidece e que se orgulha de sua ciência?
Prefiro as filosofias aprendidas no balcão do botequim da esquina!
Arre! Que monólogo levado da breca!
Se continuar assim, ficarei sóbrio!

Não. Não quero ficar sóbrio.
Neste momento a sobriedade apavora-me.
Quero embriagar-me e se isso não surtir efeito,
Quero também dopar-me com ópio!
Não quero pensar. Não posso pensar.
Pensar dói. Pensar corrompe!
O pensamento anda trôpego pelos becos escuros
E lamacentos da mente, a dopar-se de adrenalina, dopamina
E sei lá mais o quê: um malandro, um engodo!
Não me convém como companhia.
Prefiro minha solidão.

A tarde cai. O mar está azul-esverdeado.
Ao largo, muitas embarcações.
Vasculho indícios: outrora fui tão feliz diante de outro mar! . . .
A janela de meu quarto descortinava-se para o mar;
Tinha um jardim com rosas narcisos, crisântemos e
Muitos girassóis de olhos arregalados para a imensidão marinha.
Ah, e que sossego na velha casa de minha infância perdida!
Em dias de sol, soltava pipa - tão colorida e majestosa em sua leveza!
Meu Deus, quem me roubou a criança que fui?
Que fizeram de meus lençóis perfumados de alfazema?
Por quais caminhos deixaram-me
Para que eu me perdesse de mim?
Meu Deus, sei que me desavim!
Outrora . . . Fora tão feliz e não sabia!
Hoje, resta-me essa desesperança, essa dor no abismo da alma . . .
Meu Deus, meu Deus!
Quero embriagar-me!
Quero sossego!
Quero ficar sozinho!

Oliveira

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Monólogo da chuva



O inverno chegou com seu manto brumoso, salpicado de solidão.
Minha alma veste-se de tristezas púrpuras.
Tristezas que são aldeias longínquas ao entardecer,
Onde sinos dolentes dobram remorsos insepultos
Que atormentam a tranqüilidade de quem sou.

Quem sou não se reconhece diante da nítida imagem
Que o espelho reflete: as marcas das ilusões desfeitas, dos sonhos rotos,
Dos desejos esfacelados, dos amores atropelados na contramão da vida . . .
As rugas são a fotografia 3x4 da solidão de meus dias . . .
Como espantar o fantasma da velhice, se está em minha cara,
Como uma tatuagem feita a ferro e fogo?
No avesso do espelho, eis-me outro:
Olhos negros que refletem saveiros
Que singram embandeirados para a imensidão das horas marítimas;
Tez morena que conserva o viço da primavera que não vivi;
Sorriso de cachoeira numa floresta de alheamento . . .
Tão bela e tão distinta de quem sou! . . .

Tempo implacável.
Inutilidade das horas mortas, passadas numa torre de abandono.
Mágoas penteadas na solidão do quarto envolto em penumbras.
Estilhaços de paixões platônicas,
Cortando o coração destroçado por tantas mesquinharias.
Meu coração é um albergue fechado, empoeirado e vazio.
Outrora fora tão alegre!
Outrora, sonhara com o brilho dos bailes,
Com o calor dos corpos bailando ao som de boleros;
As damas com seus longos vestidos de organdi,
Cabelos presos com um laço de fita e uma rosa vermelha, lábios carmim.
Tudo isso desfila diante de mim numa seqüência confusa e quieta.

Meu Deus, chove intermitantemente!
Olho a chuva com uma revolta pacífica,
Com um desconsolo resignado,
Com a alma vestida de ironias e cansaços inúteis.
Que inutilidade!
Embriago-me.
Faz tanto frio!
Caminho até o espelho:
Meus olhos perderam o brilho na contemplação do horizonte marinho,
À espera da embarcação que traria meu sonhado amor;
Minhas pernas reclamam as distâncias percorridas à beira-mar,
Na busca infrutífera de encontrar meu amor.

Perco-me pelos labirintos de quem sou
E encontro-me diante da outra no avesso do espelho.
Como a admiro! Como a odeio!
Ela rodopia vaporosa, em seu vestido de organdi, cabelos longos,
Rosa vermelha entre os seios arfantes, sorriso largo;
Transpira prazer e sensualidade.

Minhas angústias sem leme!
Sou náufrago no mar da vida.
Perdi a bússola com a qual me guiava.
Sou barco de velas rotas que jaz numa praia do esquecimento.
Meu nome é ninguém.
Sou a sombra de quem fui
E ando espectro de mim a vagar pelo cais oblíquo na madrugada nebulosa.
Quem me dera algum pândego, farrapo de gente,
Olhasse-me com olhos de enxergar-me para assim sentir-me viva,
Digna do interesse de alguém.

Viajo através das sombras, inútil transeunte,
Fantasma a errar, envolta na névoa das recordações
Que são chuvas de estilhaços sobre meu coração vestido de cansaços.
Faróis distantes, vida que se esvai em fumo na imensidão do mar.

A cidade é uma selva de concreto em sua verticalidade concreta
Que me sufoca, que me oprime, que me apouca.
Caminho por uma longa avenida ladeada de luzes de néon,
Levo comigo a nítida certeza de que não chegarei a lugar nenhum.
As vitrines refletem um mundo multicolorido; fascinam-me.
Procuro teu rosto sorridente nos rostos
Que desfilam indiferentes no avesso caótico das vitrines.

Chove, chove e chove. . .
Que desolação na alma!
Que desalento assistir à passagem das horas,
Esvaindo-se por entre meus dedos lassos! . . .

Oliveira

Ode do avesso do amor




Meu amor por ti foi o mais louco, intenso e profundo.
Meu desejo por ti foi o mais arrebatado, cego e desvairado.
Minha paixão por ti foi bela como as cores vibrantes do
Pôr-do-sol visto de um majestoso castelo mourisco
No alto de uma montanha.

Mas tua traição caiu sobre mim com o peso de uma
Sentença de morte, uma condenação ao degredo;
Foi o punhal de gumes fatais cravado em meu coração -
Rubra rosa desfalecida, entregue às intempéries da vida.
Quebraste o encanto. A taça de vinho transbordou e
Transformou-se num sentimento negro, maquiavélico,
Demoníaco que traz consigo a fome ancestral de
Tudo destruir, arruinar, desmoronar.

Ódio, ódio, ódio . . . Fúria demoníaca, ensandecida em
Seu desvairamento destruidor; bafejo inóspito da
Morte percorrendo teu corpo, gelando-te a alma.
Hás de sentir na pele o peso horripilante de algo
Que te transformará inevitavelmente em espectro.

Hei de ser a inutilidade de tua impotência diante da
Monotonia das horas, nas fatídicas tardes de domingo;
Hei de ser a boca do tempo devorando tua vida
Chinfrim numa voracidade enfadonha e constante
Como alimentando-se de um corpo que jaz inerte.

Hei de ser o pio mórbido da coruja - gargalhada
Assombrosa da morte com seu manto negro,
Cortando o silêncio de teu sossego noturno;
Hei de ser o assombro, o delírio, o pavor -
Cortina plúmbea caindo tenebrosa
Sobre teus pensamentos.

Hei de ser os passos sorrateiros da fera-ladina
Que te espreita com ganas de saborear teu
Desespero diante do inevitável;
Hei de ser o gozo instintivo da fera com teu corpo
Sangrando entre suas garras afiadas,
A tua passividade agonizante, o gosto agridoce
De teu sangue quente esvaindo-se em alimento -
Vida que te foge etereamente;
Hei de ser o brilho de teu olhar azul-turquesa
Que se extingue fitando a imensidão do nada.

Hei de ser a maldição lançada por uma bruxa
Que paira nefasta e sombria sobre tua
Existência ignóbil; hei de ser o desmoronamento
De teu egoísmo, o escárnio diante da
Decadência de teu corpo - colchão de terra
Onde saciei minha fome de prazer;
Hei de ser teu desespero solitário e impotente
Diante do desconhecido . . .

Hei de ser a morte sempre crescente de teu
Desejo sexual, o pouco-caso para com teu
Remorso tardio, tuas inúteis lágrimas
E teu sentimentalismo piegas;
Hei de ser o gérmen que corre em tuas
Veias, sugando a essência de tua alma -
Chama que oscila na iminência de
Sucumbir ao sabor do vento
Que sopra quase outonal.

Hei de ser o corvo a beber-te os olhos-de-mar-azul -
Ah, teus olhos . . . Tantas vezes naufraguei
Na contemplação de tê-los meus,
Tantas vezes parti em saveiros embandeirados,
Que singravam para a aurora das horas marítimas,
Tantas vezes sonhei ilhas-paraísos-distantes,
Acariciadas pelas ondas que se espraiam
Em sinfonias-primaveris . . .

Hei de ser o vôo rasante do urubu com suas
Majestosas asas negras, abertas num
Abraço-escuridão sobre tua genitália;
Hei de ser o bico-navalha-afiada
Dilacerando tuas entranhas,
O prazer absurdo de ouvir o grito
Que emerge das profundezas de teu ser
E que ecoará solitário nos montes longínquos
Onde tudo é paz e a natureza festeja
A vida em cores e sons . . .

Oliveira

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Verbete 06




Ódio – subst. Abstrato. 1. negação do ser de luz que há em nós. 2. queda vertiginosa nos
abismos de nós mesmos. 3. alimentar-se do próprio veneno. 4. perder-se nos labirintos de si mesmo. 5. abandonar-se entorpecido à tenebrosa escuridão. 6. descobrir-se desértico, terra infértil. 7. naufragar num mar de lama. 8. habitar um mundo frio e tenebroso. 9. transformar-se num espectro de si mesmo. 10. distanciar-se da realidade. 11. engendrar-se na monstruosidade
de ser peçonhento, indesejável.

Oliveira

Verbete 05




Ciúme – subst. Abstrato. 1. tortura enervante, agonia de náufrago, consumação sufocante.
2. caldeirão de sopa preparada com ingredientes indigestos que repousa em fogo brando.
3. conjugação de sentimentos corrosivos. 4. atitude passional, desvairamento. 5. visão deturpada do mundo. 6. transição entre sanidade e loucura. 7. faca de dois gumes, fio da navalha, lâmina fria de punhal. 8. revolta estúpida diante da certeza de que não se pode arrebatar a autonomia de outrem. 9. atitude descabida de posse. 10. inveja mascarada de zelo.

Oliveira

Verbete 04



Tédio – subst. Abstrato. 1. cinza brumoso no horizonte, prenúncio de chuva que teima em não cair. 2. melancolia de charco, com coaxar de rãs, ao entardecer. 3. aborrecimento passivo diante do gotejar sonolento das horas. 4. entorpecimento dos sentidos, embriaguez da vontade.
5. lassidão, modorra, inação. 6. antojo diante das convenções sociais. 7. fastio diante da mesmice do cotidiano. 8. desgosto agridoce diante da impossibilidade de fazer cessar o mundo. 9. grito que não encontra eco na realidade exterior.

Oliveira

Verbete 03




Saudade – subst. Abstrato. 1. rosa murcha guardada num livro empoeirado e amarelado pelo tempo. 2. nostalgia de piano e violino num fim de tarde longínquo. 3. acordes dolentes de um blues no aconchego da lareira. 4. lembrança rosa-pálida de alguém muito querido ou de momentos felizes. 5. nostalgia-púrpura de ocasos em praias orladas de coqueirais. 6. vídeo-clipe de emoções marcantes, guardadas na parede da memória. 7. pesar por aquilo que não foi e por aquilo que não fomos.

Oliveira

Verbete 02




Amar – 1. verbo reflexivo: expor-se, enganar-se, desnudar-se, doar-se,esfacelar-se, anular-se. 2. verbo intransitivo: ir ao encontro de e/ou ir de encontro a. 3. verbo transitivo: querer saciar
a sede de. . . , pegar o bonde na contra-mão, não enxergar um palmo diante do nariz, perder o rumo, procurar sarna para se coçar, alimentar sonhos inúteis, armar cenas de ciúmes, forçar a barra, fabricar ilusões, criar expectativas vãs a respeito de. . .

Oliveira

Verbete 01



Amor – subst. 1. fantasia equivocada. 2. sentimento cego e obsessivo. 3. abstração, malogro, mentira. 4. endeusamento de outrem. 5. pesadelo disfarçado de sonho. 6. poço vazio, terra movediça, lugar ermo. 7. engano que traz desengano por trás. 8. sentimento de apego e interesse: disputa de opostos, conjugação antagônica de sentimentos (possessividade x submissão, domínio x subjugação). 9. perda do leme, mergulho na bruma. 10. caos.

Oliveira

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Folha de papel em branco




Desfolho a rosa do viver
Como quem arranca as folhas de um diário, uma a uma;
Cada pétala conta um pouco de minha vida;
Cada pétala leva consigo:
Um grito engasgado na garganta,
Um soluço sufocado diante da janela aberta para a rua deserta,
Uma mágoa acalentada na solidão das noites insones,
Uma saudade amarelada pelo tempo,
As cinzas do que restou de um coração partido,
O gosto amargo dos desenganos,
A cor gris dos sonhos desfeitos numa tarde vazia e sem fim . . .
Leva-as . . . Oh vento!
Leva-as como se fossem as folhas-mortas do outono,
Leva-as para as distantes terras do esquecimento . . .
Passa . . . Oh vento!
Passa e apaga tudo . . .
Quero passar a limpo minha vida,
Quero sentir-me como se fosse uma folha de papel em branco . . .
Uma folha de papel em branco sobre uma mesa qualquer,
Qualquer mesa, pouco importa . . .

Oliveira

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Delírios nocturnos




Quantas palavras, tantas palavras
Cujo significado nos causam espanto;
Outras são carícias de seda chinesa
Sobre nossos corpos desnudos,
Transbordantes de sensualidade.
Nosso ninho de amor inundado
Com a avalanche de significados
Que elas suscitam:
Sonoridade de fontes que gorgorejam,
De canto de pássaros,
De sussurros de brisa que sopra
Segredos de cristais que brindam
O compartilhar de momentos felizes . . .

Pela janela aberta, sobre a cidade nocturna,
Uma infinidade de sons adentram
E dão-nos notícias de que, lá fora,
Apesar do aparente silêncio da hora-morta,
A vida pulsa numa convulsão incessante, contagiante . . .
O murmúrio das ondas chegam até nós
Como uma vaga impressão de gozo ao crepúsculo,
De contacto de nossos corpos sobre a areia branca . . .
Ao longe, o apito do trem desencadeia
Uma seqüência de imagens de paisagens capim-rosa-chá,
De pequenas povoações com suas casas coloridas,
De gente sentada nas calçadas,
De crianças com rechonchudas faces-maçãs,
De montanhas que se insinuam azuladas,
Na imprecisa distância,
De curvas que descortinam paisagens verde-marrom,
De casinhas brancas dentro de cercas
Que são desenhos feitos a lápis de cor . . .

Ah, meu amor, esqueçamos o lá fora,
Fujamos para o país dos sonhos,
Percorramos silenciosos os labirintos do esquecimento;
Ergamos nosso castelo de abandono
Num vale verdejante, rodeado de montanhas azuladas,
Onde a primavera é eterna,
Onde as águas em cascatas e cachoeiras
Cantam antigas cantigas de ninar
Para embalar nosso sonho de felicidade . . .

Oliveira

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Malmequer despetalado




Releio as páginas de minha vida:
Invade-me um misto de decepção e
Desencanto ao constatar
Que construí um império ignóbio e
Que não passei de um imperador ignoto.

Revejo uma trajetória tortuosa,
Cheia de altos e baixos, muitas omissões,
Alguns atos de bravura . . .
Acovardei-me diante de algumas situações,
Em outras, demonstrei destemor;
Não há grandes conquistas,
Não há nada que valha encher-me de júbilo.
Teci, no decorrer dos anos,
Muitos sonhos ornados de inflamadas pompas,
Mas o tempo os devorou impiedosamente . . .

Viver é muito perigoso . . .
Machuquei-me tantas vezes! . . .
As feridas não cicatrizam nunca . . .
Pelo caminho, encontrei quem soubesse tocar,
Cruelmente, nas feridas, fazê-las sangrar . . .
Horas amargas que despertaram em mim
Ímpetos de vingança, vontade de trucidar,
Da matar pouco a pouco,
Gozando o desespero do tormento,
A agonia de ver esvair-se, romper-se a vida . . .

Outras vezes, encontrei quem soubesse despertar em mim
Sentimentos de ternura, de amor . . .
Horas de colorido primaveril,
De sol despontando em todo seu esplendor
No horizonte marinho,
Sorriso de cascata que enche de alegria
O universo tranqüilo da floresta de alheamento
Em que me refugio . . .

Ergui uma muralha de indiferença em torno de mim,
Vesti a máscara e esqueci-me de quem sou
Para ser o que desejam que eu seja:
Um estrangeiro, um rosto na multidão . . .
Desfolhando a rosa do viver, o malmequer da vida . . .

Oliveira

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Velho casarão da quinta




O casarão colonial fica numa pequena elevação,
De frente para um vale orlado por montanhas azuladas.
A quinta estende-se até a margem de um rio
Que corre mansamente em direção ao Oeste.
Juncais enfileiram-se majestosos às margens,
Outras vezes cedem lugar às árvores seculares de troncos rugosos
Que se debruçam sobre o rio numa reverência respeitosa;
Pequenas embarcações balançam levemente ao sabor da brisa
Quase marinha que sopra numa carícia maternal.

Estou sentado na grande janela que se abre para o imenso vale:
Olho para tudo isso com uma indiferença desdenhosa;
Meus sentidos viajam por outras paisagens e
Trazem-me à lembrança a contemplação de quem fui.

Caminho às margens de um rio de águas escuras
Que corre silencioso por entre árvores de esquecimento.
Outono . . .
Uma brisa sopra leve e arrasta para o leito do rio
As folhas-mortas que bóiam mergulhadas em alheamento;
Minha alma veste-se de uma confusão quieta . . .

Ao longe, os sinos anunciam o avanço dolente do entardecer
Que devora as horas envoltas em cinzas de tédio.
Meus devaneios tolos cavalgam, espectros de sonhos,
Na bruma que se ergue sobranceira em meu horizonte interior.

Quando julguei ter encontrado o amor, enganei-me:
Senti apenas seu aroma e conheci somente a periferia de sua grandeza;
Senti como se tivesse chegado a uma grande metrópole e
Tenha conhecido, equivocadamente, somente
Seus subúrbios fétidos e feiosos.

O canto dos pássaros desperta-me para a realidade da quinta . . .
Outrora, o menino que fui brincara por estes campos verdejantes,
Possuído de alegria contagiante . . .
Minha infância perdida! . . .
Vejo o menino que fui totalmente alheio a quem sou:
Sou como naus embandeiradas que sucumbiram
Na aventura de se lançar ao desconhecido . . .

A concretização de conquistar o mundo
Caducou no baú empoeirado,
Esquecido num canto qualquer do sótão da velha quinta . . .
Desviei-me da rota, perdi a bússola com a qual me orientaria;
Minha embarcação adernou . . .
Perdi-me de mim . . .
Sou órfão e tenho a vida por madrasta.

Quantas vezes senti-me um imperador,
Adornado com vestimentas bordadas com fios de ouro,
Sentado no trono de meu abandono! . . .
Quantas vezes julguei conquistar e subjugar
Outros impérios ao meu despotismo impiedoso e cruel! . . .
Tudo mentira: meu império de trapeira ruiu
Como castelos de areia diante da fúria do mar
Que avança sobre as praias orladas de palmeiras
E casarões mouriscos . . .

Anoitece . . . Fecho a janela . . . Cerro as cortinas . . .
Acendo a lareira . . . Ponho um disco para tocar . . .
A música inunda o ambiente de nostalgia . . .
Sinto-me envelhecido: meus ídolos estão passando
Para a galeria da parede da memória . . .
Um absinto talvez aqueça-me a alma
Ou cause-me náuseas . . .
Meu Deus! Viver é uma náusea! . . .

Oliveira

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Cadáveres de sonhos




Disperso-me . . .
Viajo por paisagens de sonhos,
Sonhos que são os cadáveres de outros sonhos
Que se extraviaram no desenrolar do novelo da vida . . .
Sonhos de outrora, de quando andava pela vida
Alheio à violência urbana,
Às conseqüências desastrosas das guerras;
De quando ainda não tinhas cicatrizes de desenganos . . .
Um brisa leve toca a copa das árvores frondosas
Que margeiam o rio que corre sonolento . . .
Sou um barco velho que jaz cadáver
De olhos arregalados para os juncos negros
Que se vergam submissos ao vento frio . . .
Tudo tão inútil,
No silêncio da tarde que vagueia sonâmbula
Pela imensidão azul desse céu de abril! . . .
Flores silvestre (parecem donzelas
Que se debruçam à janela com olhos sorridentes
Para os rapazes que as olham com fingida indiferença) . . .
As flores silvestres perfumam os caminhos
Que levam aos montes distantes . . .
Minha infância perdida . . .

Oliveira

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Ansiedade



Quando não te vejo, perco o rumo.
Vagueio à esmo. Mergulho numa ansiedade sem fronteiras.
Meu céu interior tinge-se de cores esmaecidas.
Ergue-se em meu horizonte interior, uma densa cortina brumosa.
Sinto ímpetos de embriagar-me nos bares da vida,
Andar estrangeiro pelas ruas desertas,
Alheio às luzes de néon, às pessoas,
Imerso em outra realidade menos crua.

Oliveira

sábado, 2 de fevereiro de 2008

O homem velho



O homem velho descobriu que a vida é uma escola
Onde se aprende a ter paciência para viver e não sofrer;
Sabe que a realidade só pode ser vista, irremediavelmente,
em preto e branco;
Que somente a fantasia apresenta-se, totalmente, em cores.
Simplesmente caminha
Sem se preocupar para onde vai ou por onde vai . . .
Vai por onde o levam seus passos . . .
Aprendeu que o coração comporta-se como uma criança
Que não mede a conseqüência de seus atos;
Conhece o gosto amargo da taça dos desenganos,
Descobriu a inutilidade de lutar contra o fantasma da solidão,
Guarda com carinho as lembranças de uma infância feliz
E não alimenta sonhos quanto ao futuro,
Porque intui que ele virá fugaz como as aves de arribação . . .

Oliveira

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Poemeto 07




Teu medo, tua indecisão desafinam a orquestra
Que embala meu sonho de vivermos um grande amor
E fazem com que a lua,
Que idealizei para enfeitar nossa noite,
Despregue-se e fragmente-se inútil,
Inútil como meu amor por ti.

Oliveira

domingo, 13 de janeiro de 2008

Teimosia



Sou teimoso;
Insisto em fabricar sonhos,
Mesmo sabendo que irão desfazer-se em fumo
Na palidez do crepúsculo outonal.
Meus sonhos, vejo-os naufragados
Qual barquinhos de papel , no torvelinho revolto
Das águas turvas do rio de lágrimas
Que brota de meus olhos marejados,
Brumosos, envelhecidos dessa espera inútil.
Tarde fria.
Um manto de tristezas antiqüíssimas
Desabou sobre mim, deixou-me assim:
Rainha destronada, humilhada, aniquilada
Diante deste imenso e suntuoso salão –
Antes fosse uma mulher do povo,
Mas feliz, amada
Diante de uma sala rústica.

Oliveira

Dilacerado


Meu coração dilacerado pelas recordações
É um ocaso ensangüentado,
Esvaindo-se em angústias depostas,
Em desejos malogrados,
Em saudades atormentadas por gestos inúteis.
A tristeza atravessa em diagonal,
Com pompas de rainha destronada,
O universo de minhas recordações,
Com seu manto cinzento e obscurece,
Põe brumas em meu horizonte.
Oh, saudade, por que te vestes com pompas de rainha,
Se te despojaram do cetro e da coroa?
Oh, taça transbordante de bebida amarga,
Lampejo de falsas alegrias,
Torpor escarlate de lua-cheia nas noites de abril!
Ah, o ópio de ser qualquer coisa para além
Da silhueta de montanhas azuladas ao sul de tudo!
Ah, gotejar sonolento das horas
Costurando o manto esgarçado do tempo! . . .

Oliveira

Acalanto



Este balanço incessante das ondas
Abranda-me o sofrimento,
Acalanta a lembrança da criança feliz
Que dormia embalada pelas canções de ninar
Nas noites longas e frias,
No velho casarão da quinta.
Quão distante aquela felicidade
Salpicada com as cores da ingenuidade,
E quão viva a sensação de aconchego
Que essa evocação me transmite.
Hoje, restam-me escombros de quem fui,
Desmoronamentos das horas absurdas,
Esquálidas sombras de crepúsculos
Esvaindo-se em cinzas de propósitos caducos,
Coaxar de rãs em charcos de desesperança,
Girassóis de olhos pasmos
Nos jardins de meu palácio
Saqueado pelo exército inimigo.

Oliveira

O tempo não pára



O tempo está sempre indo em frente,
Sem olhar para trás,
Devorando as horas,
Corroendo a juventude,
Destuindo os sonhos,
Abrindo feridas de desilusões, de tristezas,
de perdas irreparáveis . . .

O tempo passa e leva consigo pedaços de nós
Num esfacelamento doloroso, lento e contínuo
Como se fôssemos árvores,
Que se despem de suas folhas,
A espera do melancólico inverno.

Vejo-o passar diante de meus olhos
Cegos de nostalgia e desconsolo,
Mareados de angústias,
Desalentados de solidão.

Oliveira

Estilhaços . . .



Minha alma quebrada em pedacinhos,
Estilhaços imprecisos e diversos,
Dispersos pelo chão, reluzentes
Como estrelas num céu refletido nas águas de um lago
Onde busco reconhecer-me . . .

Sou a memória de um lugar
Onde já fui feliz . . .
Meu Deus, outrora eram girassóis com largos sorrisos
Para dias infinitamente claros, céu azul, odor de frutas maduras! . . .

Outrora, tecia a vida com fios de sonhos
E era feliz!

Minha alma errante perdeu-se pelos atalhos da vida,
Ébria de encantamento,
Sonhando com as cores do arco-íris . . .
As ilusões esvaíram-se etéreas, farrapos de nuvens levadas pelo vento outonal.

Quedei-me sóbrio, atônito, diferente de mim,
Aparvalhado diante do chão reluzente
Dos pedacinhos de minha alma,
Imprecisos, dispersos . . .

Oliveira

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Interlúdio



Minhas ânsias são barcos de velas pandas num mar revolto.
Meus desejos são navios encalhados próximo ao cais:
Tristes como escombros de um império que ruiu.
Meus propósitos desmoronaram
Como se fossem pontes sustentadas por pilastras de tédio.
Meus desejos perderam a bússola e dispersaram-se pelos becos escuros e tortuosos.
Minhas ilusões diluíram-se nas lágrimas derramadas inutilmente nas noites de insônia. Resta-me uma paisagem de concreto com longas avenidas de gás néon,
Orladas de bares e de gente vazia.
A máscara que vesti obscureceu quem sou.
Sou apenas mais um rosto na multidão.
Meu nome é ninguém.

O amor é o desespero do náufrago diante do mar-solidão.

O amor é um engano disfarçado de certezas sublimes:
Esconde o andrajoso espetáculo do desencanto
E o caudaloso rio de lágrimas amargas choradas na solidão das horas mortas.
O amor é uma tapeação, um brinquedo esquisito para distração momentânea:
Não vale todo o sacrifício, todos os tormentos, todos os sobressaltos.
O amor é uma droga corrosiva que vai matando lentamente.

A saudade de minha infância são pipas coloridas

Que jazem inúteis diante da impossibilidade de alçar vôo.
Minha infância perdeu-se na poeira do tempo e com ela foi também minha alegria.
Hoje, minhas alegrias são fugazes
Como aves de arribação na imensidão de meu céu interior.
A lembrança de quem fui é um tela impressionista
Que retrata um outrora primavera perdida.

Meus dias decorrem hibernais: cinzas de propósitos caducos,

Gato enroscado no borralho sonhando com um pássaro
Entre suas garras ferinas, fotografias dispersa pelo chão,
cartas amareladas pelo tempo – pedaços de sonhos
Que a vida roubou-me cruelmente.
Ah! . . . Quanta monotonia: flocos de neve tingindo de branco
As ruas desertas, sinfonia de violino-piano acalentando
O desassossego da inutilidade das horas absurdas diante de portões de ferro,
De muros de pedra cobertos de hera . . .
Impossibilidade de ser sozinho. . .

Oliveira