sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Interlúdio



Minhas ânsias são barcos de velas pandas num mar revolto.
Meus desejos são navios encalhados próximo ao cais:
Tristes como escombros de um império que ruiu.
Meus propósitos desmoronaram
Como se fossem pontes sustentadas por pilastras de tédio.
Meus desejos perderam a bússola e dispersaram-se pelos becos escuros e tortuosos.
Minhas ilusões diluíram-se nas lágrimas derramadas inutilmente nas noites de insônia. Resta-me uma paisagem de concreto com longas avenidas de gás néon,
Orladas de bares e de gente vazia.
A máscara que vesti obscureceu quem sou.
Sou apenas mais um rosto na multidão.
Meu nome é ninguém.

O amor é o desespero do náufrago diante do mar-solidão.

O amor é um engano disfarçado de certezas sublimes:
Esconde o andrajoso espetáculo do desencanto
E o caudaloso rio de lágrimas amargas choradas na solidão das horas mortas.
O amor é uma tapeação, um brinquedo esquisito para distração momentânea:
Não vale todo o sacrifício, todos os tormentos, todos os sobressaltos.
O amor é uma droga corrosiva que vai matando lentamente.

A saudade de minha infância são pipas coloridas

Que jazem inúteis diante da impossibilidade de alçar vôo.
Minha infância perdeu-se na poeira do tempo e com ela foi também minha alegria.
Hoje, minhas alegrias são fugazes
Como aves de arribação na imensidão de meu céu interior.
A lembrança de quem fui é um tela impressionista
Que retrata um outrora primavera perdida.

Meus dias decorrem hibernais: cinzas de propósitos caducos,

Gato enroscado no borralho sonhando com um pássaro
Entre suas garras ferinas, fotografias dispersa pelo chão,
cartas amareladas pelo tempo – pedaços de sonhos
Que a vida roubou-me cruelmente.
Ah! . . . Quanta monotonia: flocos de neve tingindo de branco
As ruas desertas, sinfonia de violino-piano acalentando
O desassossego da inutilidade das horas absurdas diante de portões de ferro,
De muros de pedra cobertos de hera . . .
Impossibilidade de ser sozinho. . .

Oliveira

Estrangeiro



Quando me deparo com minha imagem refletida no espelho,
Pasmo diante do abismo que se desenha entre quem sou e o outro que me olha.
Vejo-me dominado por um estranho que tem o poder de arrancar,
Do mais profundo de meu ser, sentimentos e sensações que me deixam perplexo.
Amedrontado, desvio meu olhar. Inútil.
Ele continua a olhar-me dentro de meus olhos com uma intensidade embriagadora;
Seus olhos hipnotizam-me. Já não sou eu.
Viajo outro por seu mundo interior. . .

Percorro paisagens deslumbrantes através do espelho cristalino de sua visão
Que me guia por campos verdejantes, jardins floridos, fontes de águas límpidas,
Sinfonia de pássaros, montanhas que se insinuam azuladas no horizonte impreciso.
Sou um menino camponês de sorriso largo, gestos espontâneos, voz doce
Que celebra a natureza com cânticos que nascem do cotidiano do povo
Que habita as aldeias longínquas e pacatas.
Apanho flores campestres multicoloridas, corro pelos vales e sou feliz.

Outras vezes seus olhos desvendam verdades secretas que escondo de mim mesmo.
E embora eu relute em ceder, ele me joga na cara a dura e temível verdade.
Sou uma paisagem sem pássaros, sem árvores nem água;
Uma paisagem calcária e sobrenatural,
Onde a luz desce em ondas perpendiculares multiplica certas cores e seus reflexos.
Ao longe, o contorno das montanhas com seus picos nevados.
Nu e sozinho como um cais na madrugada.
Triste como uma bela cidade obscurecida pela bruma.
Em que parte do percurso perdi-me de mim?
Não sei. . . Caminho ignoto, olhos marejados, coração partido. . .


Oliveira