sábado, 27 de dezembro de 2008

O muro 02





Sou eu sozinho neste mundo e este outro,
Que sou eu, mas distinto de mim,
Entre duas paisagens
Que se comprimem contra este muro -
Tão velho e tão o mesmo de então, mas coberto de hera -
Num confronto entre o grito de vida
E o ser citadino perturbado
E corrompido pelo convívio social.
Sempre esse muro, símbolo de duplicidade vital,
Sendo momentaneamente ponto de intersecção
E de separação dessa duplicidade:
Conjugando finito e infinito, poucas vitórias e muitas derrotas,
Sendo expressão de meu limite material e humano.
Vivo a sonhar, alternadamente,
Dentro e fora desse muro:
Aquém do muro do quintal de minha infância
Minha ingenuidade pueril,
O desconhecer o mar que me levará à viagem-retorno,
O ver as naus singrarem para o indefinido,
Parado diante do cais de pedra-solidão,
Sonhando com outros cais de onde, talvez,
Tenha partido ébrio de sonhos,
Antes de mim, feliz por desconhecer . . .
Além do muro começa vida:
A consciência angustiosa da morte,
O contacto com o infinito,
A impossibilidade de voltar atrás,
O conflito entre o que se perdeu no tempo
E a luta vã de querer despir-me de quem sou . . .
Oh, Deus, quero esquecer-me
Do modo de lembrar,
Quero esquecer-me de saber
A diferença entre ser e viver! . . .

Oliveira