quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Ode outonal



Se pudesse eleger minha paisagem de coisas memoráveis,
Elegeria o velho casarão da quinta de minha infância perdida,
Localizado numa aldeia distante, num outono de melancolia amarelecida,
À hora crepuscular, com o repicar de sinos, ao longe . . .

Outrora eram soluços graves de violinos,
Lamentos magoados de violões,
Langor dolorido de piano,
Janelas abertas para o vale em ouro,
Árvores vestidas de tristezas depostas e de mágoas antigas.
Recordo, e minha alma se enche de uma ânsia pálida,
De uma saudade brumosa . . .

Hoje sei que minha alma pressentia o cárcere mudo,
A dor no desamparo do calabouço . . .
Eu não tinha o coração partido,
Não sabia interpretar com clareza o turbilhão de emoções gris
Que se agigantava quando, ao longe,
Soava a hora do entardecer . . .

Ah, meu Deus!
Hoje são girassóis de tédio,
Velhas chagas abertas,
Réquiem do sol nas horas trêmulas do ocaso,
Dolências de lírios e de rosas,
Vento em atropelo no ar que alberga folhas-mortas
Que se desprendem atônitas, amareladas e
Que se deixam levar entorpecidas, ébrias e decaídas . . .

Ouço, vindo de muito longe,
O dobre dolente dos sinos de minha infância perdida -
Pipa feita com as cores dos sonhos,
Planando majestosa na palidez azul do céu, na tarde infinda . . .
Por certo, dobram por meus desenganos, pela nostalgia que sinto
Ou pela assombrosa saudade dos dias que se perderam no tempo . . .
Dobram, dobram e dobram por meu espanto
Diante desta hora vestida de púrpura,
Hora em que não sei o que fazer de mim . . .

Outono. Fim de tarde.
Tudo parece diluir-se em cores fortes e sossego!
Um vento brando toca as folhas-mortas
Que rodopiam num balé triste e sincronizado . . .
Os pássaros cantam seus últimos acordes sonoros,
Agradecendo o dia que se esvai em sangue . . .
Ouço Chopin diante da lareira para amenizar as saudades
Que entristecem meu coração . . .

Meu Deus! Outono!
Tempo de acordar os velhos fantasmas adormecidos,
Enxotá-los ao diabo que os carregue . . .
Arrumar as gavetas: jogar fora velhas recordações;
Chorar rios de lágrimas diante de velhas cartas de amor,
Embriagar-me com absinto,
Encharcar-me de lembranças caducas . . .
Outono! Folhas-mortas! Tédio de ser! . . .

Oliveira

domingo, 24 de fevereiro de 2008

O grito




Meu grito emerge
Do abismo de minha solidão,
Agiganta-se,
Procura encontrar eco na aridez dos desertos,
Nas montanhas longínquas,
Na imensidão dos mares,
No tumulto dos centros urbanos . . .

Oh, transeunte do acaso,
Na esquina de uma rua qualquer,
Ouve meu grito de socorro!
Arranca-me dessa solidão,
Dessa masmorra em que me enclausurei!
Ressuscita-me para a frivolidade do cotidiano!

Hoje, quero perder-me pelas vielas de ser,
Quero filosofar diante de um balcão de botequim,
Quero rir de tudo, de todos, da vida, de mim mesmo;
Quero chorar todos os rios que deságuam em mim;
Quero embriagar-me, inebriar-me, entorpecer-me
Com todas as delícias clandestinas . . .
E depois . . . Depois . . . Ah! . . .
Pouco me importa o que venha depois! . . .

Oliveira