sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Carrossel



Gira carrossel de minha infância,
Gira no tempo que se perdeu,
Gira nas noites juninas,
Gira nas festas natalinas dos velhos parques de diversões,
Gira cheio de magia, indiferente à passagem do tempo,
Gira colorido, iluminado, velha fábrica de sonhos
Que se desfizeram ao som de marchas fúnebres.
Meu Deus, minha infância perdida! . . .
Os cavalinhos subiam e desciam
Enquanto o carrossel dava voltas,
Embalando a fantasia da criançada feliz e indiferente
À destruição de todos os nossos castelos de sonhos . . .
Evoco essas lembranças e vejo o parque de diversões,
O carrossel, os cavalinhos, as crianças -
Meu Deus, e eu sendo uma delas . . . -
Girando, girando num afastamento saudoso, longínquo
Para as terras do nunca-mais . . .
Minha alegria foi-se com minha infância perdida . . .
Quem fui extraviou-se no desenrolar do novelo da vida . . .
Quem sou desconhece-me.
Carrego comigo um baú cheio de ilusões caducas;
O sótão de minha alma reclama uma arrumação:
Fazer uma fogueira dos desenganos, dos dissabores,
Das decepções, dos amores malogrados,
E jogar as cinzas dos propósitos mortos
Na púrpura do ocaso, à beira-mar . . .

Oliveira

Embriaguez




Tranquem todas as portas,
Favoreçam-me com sua ausência,
Vão para o raio que os parta!
Quero ficar sozinho: basto-me com minha solidão!
Quero embriagar-me!
Quero sossego!
A mim, basta-me uma janela aberta para o mar,
Uma garrafa de vodka,
Uma música que embale minhas carências.
Quero mergulhar de cabeça no abismo de quem sou e desconhecer-me . . .
A voz de Nana Caymmi . . . Maravilhosamente fossífera:
Sua voz me conduz por veredas tortuosas
Que desembocam em precipícios de mim . . .

Bebo: embriago-me, entorpeço-me, inebrio-me de sensações desmanteladas.
E daí? Deixem o mundo cair! Pouco me importa!
Tratados de Teologia, Filosofia e Psicologia -
O diabo que os carregue . . .
Em séculos de existência, não deram à humanidade
Senão uma concepção vaga da idéia de Deus,
Um falso rasgo de luz por trás de uma cortina de bruma.
A mim, pouco me importam, visto que não curam minha dor!
Para o inferno todos os teólogos, filósofos e psicólogos,
mas sem mim!
Por que compartilharia o mesmo espaço com essa gente
Que se envaidece e que se orgulha de sua ciência?
Prefiro as filosofias aprendidas no balcão do botequim da esquina!
Arre! Que monólogo levado da breca!
Se continuar assim, ficarei sóbrio!

Não. Não quero ficar sóbrio.
Neste momento a sobriedade apavora-me.
Quero embriagar-me e se isso não surtir efeito,
Quero também dopar-me com ópio!
Não quero pensar. Não posso pensar.
Pensar dói. Pensar corrompe!
O pensamento anda trôpego pelos becos escuros
E lamacentos da mente, a dopar-se de adrenalina, dopamina
E sei lá mais o quê: um malandro, um engodo!
Não me convém como companhia.
Prefiro minha solidão.

A tarde cai. O mar está azul-esverdeado.
Ao largo, muitas embarcações.
Vasculho indícios: outrora fui tão feliz diante de outro mar! . . .
A janela de meu quarto descortinava-se para o mar;
Tinha um jardim com rosas narcisos, crisântemos e
Muitos girassóis de olhos arregalados para a imensidão marinha.
Ah, e que sossego na velha casa de minha infância perdida!
Em dias de sol, soltava pipa - tão colorida e majestosa em sua leveza!
Meu Deus, quem me roubou a criança que fui?
Que fizeram de meus lençóis perfumados de alfazema?
Por quais caminhos deixaram-me
Para que eu me perdesse de mim?
Meu Deus, sei que me desavim!
Outrora . . . Fora tão feliz e não sabia!
Hoje, resta-me essa desesperança, essa dor no abismo da alma . . .
Meu Deus, meu Deus!
Quero embriagar-me!
Quero sossego!
Quero ficar sozinho!

Oliveira

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Monólogo da chuva



O inverno chegou com seu manto brumoso, salpicado de solidão.
Minha alma veste-se de tristezas púrpuras.
Tristezas que são aldeias longínquas ao entardecer,
Onde sinos dolentes dobram remorsos insepultos
Que atormentam a tranqüilidade de quem sou.

Quem sou não se reconhece diante da nítida imagem
Que o espelho reflete: as marcas das ilusões desfeitas, dos sonhos rotos,
Dos desejos esfacelados, dos amores atropelados na contramão da vida . . .
As rugas são a fotografia 3x4 da solidão de meus dias . . .
Como espantar o fantasma da velhice, se está em minha cara,
Como uma tatuagem feita a ferro e fogo?
No avesso do espelho, eis-me outro:
Olhos negros que refletem saveiros
Que singram embandeirados para a imensidão das horas marítimas;
Tez morena que conserva o viço da primavera que não vivi;
Sorriso de cachoeira numa floresta de alheamento . . .
Tão bela e tão distinta de quem sou! . . .

Tempo implacável.
Inutilidade das horas mortas, passadas numa torre de abandono.
Mágoas penteadas na solidão do quarto envolto em penumbras.
Estilhaços de paixões platônicas,
Cortando o coração destroçado por tantas mesquinharias.
Meu coração é um albergue fechado, empoeirado e vazio.
Outrora fora tão alegre!
Outrora, sonhara com o brilho dos bailes,
Com o calor dos corpos bailando ao som de boleros;
As damas com seus longos vestidos de organdi,
Cabelos presos com um laço de fita e uma rosa vermelha, lábios carmim.
Tudo isso desfila diante de mim numa seqüência confusa e quieta.

Meu Deus, chove intermitantemente!
Olho a chuva com uma revolta pacífica,
Com um desconsolo resignado,
Com a alma vestida de ironias e cansaços inúteis.
Que inutilidade!
Embriago-me.
Faz tanto frio!
Caminho até o espelho:
Meus olhos perderam o brilho na contemplação do horizonte marinho,
À espera da embarcação que traria meu sonhado amor;
Minhas pernas reclamam as distâncias percorridas à beira-mar,
Na busca infrutífera de encontrar meu amor.

Perco-me pelos labirintos de quem sou
E encontro-me diante da outra no avesso do espelho.
Como a admiro! Como a odeio!
Ela rodopia vaporosa, em seu vestido de organdi, cabelos longos,
Rosa vermelha entre os seios arfantes, sorriso largo;
Transpira prazer e sensualidade.

Minhas angústias sem leme!
Sou náufrago no mar da vida.
Perdi a bússola com a qual me guiava.
Sou barco de velas rotas que jaz numa praia do esquecimento.
Meu nome é ninguém.
Sou a sombra de quem fui
E ando espectro de mim a vagar pelo cais oblíquo na madrugada nebulosa.
Quem me dera algum pândego, farrapo de gente,
Olhasse-me com olhos de enxergar-me para assim sentir-me viva,
Digna do interesse de alguém.

Viajo através das sombras, inútil transeunte,
Fantasma a errar, envolta na névoa das recordações
Que são chuvas de estilhaços sobre meu coração vestido de cansaços.
Faróis distantes, vida que se esvai em fumo na imensidão do mar.

A cidade é uma selva de concreto em sua verticalidade concreta
Que me sufoca, que me oprime, que me apouca.
Caminho por uma longa avenida ladeada de luzes de néon,
Levo comigo a nítida certeza de que não chegarei a lugar nenhum.
As vitrines refletem um mundo multicolorido; fascinam-me.
Procuro teu rosto sorridente nos rostos
Que desfilam indiferentes no avesso caótico das vitrines.

Chove, chove e chove. . .
Que desolação na alma!
Que desalento assistir à passagem das horas,
Esvaindo-se por entre meus dedos lassos! . . .

Oliveira

Ode do avesso do amor




Meu amor por ti foi o mais louco, intenso e profundo.
Meu desejo por ti foi o mais arrebatado, cego e desvairado.
Minha paixão por ti foi bela como as cores vibrantes do
Pôr-do-sol visto de um majestoso castelo mourisco
No alto de uma montanha.

Mas tua traição caiu sobre mim com o peso de uma
Sentença de morte, uma condenação ao degredo;
Foi o punhal de gumes fatais cravado em meu coração -
Rubra rosa desfalecida, entregue às intempéries da vida.
Quebraste o encanto. A taça de vinho transbordou e
Transformou-se num sentimento negro, maquiavélico,
Demoníaco que traz consigo a fome ancestral de
Tudo destruir, arruinar, desmoronar.

Ódio, ódio, ódio . . . Fúria demoníaca, ensandecida em
Seu desvairamento destruidor; bafejo inóspito da
Morte percorrendo teu corpo, gelando-te a alma.
Hás de sentir na pele o peso horripilante de algo
Que te transformará inevitavelmente em espectro.

Hei de ser a inutilidade de tua impotência diante da
Monotonia das horas, nas fatídicas tardes de domingo;
Hei de ser a boca do tempo devorando tua vida
Chinfrim numa voracidade enfadonha e constante
Como alimentando-se de um corpo que jaz inerte.

Hei de ser o pio mórbido da coruja - gargalhada
Assombrosa da morte com seu manto negro,
Cortando o silêncio de teu sossego noturno;
Hei de ser o assombro, o delírio, o pavor -
Cortina plúmbea caindo tenebrosa
Sobre teus pensamentos.

Hei de ser os passos sorrateiros da fera-ladina
Que te espreita com ganas de saborear teu
Desespero diante do inevitável;
Hei de ser o gozo instintivo da fera com teu corpo
Sangrando entre suas garras afiadas,
A tua passividade agonizante, o gosto agridoce
De teu sangue quente esvaindo-se em alimento -
Vida que te foge etereamente;
Hei de ser o brilho de teu olhar azul-turquesa
Que se extingue fitando a imensidão do nada.

Hei de ser a maldição lançada por uma bruxa
Que paira nefasta e sombria sobre tua
Existência ignóbil; hei de ser o desmoronamento
De teu egoísmo, o escárnio diante da
Decadência de teu corpo - colchão de terra
Onde saciei minha fome de prazer;
Hei de ser teu desespero solitário e impotente
Diante do desconhecido . . .

Hei de ser a morte sempre crescente de teu
Desejo sexual, o pouco-caso para com teu
Remorso tardio, tuas inúteis lágrimas
E teu sentimentalismo piegas;
Hei de ser o gérmen que corre em tuas
Veias, sugando a essência de tua alma -
Chama que oscila na iminência de
Sucumbir ao sabor do vento
Que sopra quase outonal.

Hei de ser o corvo a beber-te os olhos-de-mar-azul -
Ah, teus olhos . . . Tantas vezes naufraguei
Na contemplação de tê-los meus,
Tantas vezes parti em saveiros embandeirados,
Que singravam para a aurora das horas marítimas,
Tantas vezes sonhei ilhas-paraísos-distantes,
Acariciadas pelas ondas que se espraiam
Em sinfonias-primaveris . . .

Hei de ser o vôo rasante do urubu com suas
Majestosas asas negras, abertas num
Abraço-escuridão sobre tua genitália;
Hei de ser o bico-navalha-afiada
Dilacerando tuas entranhas,
O prazer absurdo de ouvir o grito
Que emerge das profundezas de teu ser
E que ecoará solitário nos montes longínquos
Onde tudo é paz e a natureza festeja
A vida em cores e sons . . .

Oliveira

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Verbete 06




Ódio – subst. Abstrato. 1. negação do ser de luz que há em nós. 2. queda vertiginosa nos
abismos de nós mesmos. 3. alimentar-se do próprio veneno. 4. perder-se nos labirintos de si mesmo. 5. abandonar-se entorpecido à tenebrosa escuridão. 6. descobrir-se desértico, terra infértil. 7. naufragar num mar de lama. 8. habitar um mundo frio e tenebroso. 9. transformar-se num espectro de si mesmo. 10. distanciar-se da realidade. 11. engendrar-se na monstruosidade
de ser peçonhento, indesejável.

Oliveira

Verbete 05




Ciúme – subst. Abstrato. 1. tortura enervante, agonia de náufrago, consumação sufocante.
2. caldeirão de sopa preparada com ingredientes indigestos que repousa em fogo brando.
3. conjugação de sentimentos corrosivos. 4. atitude passional, desvairamento. 5. visão deturpada do mundo. 6. transição entre sanidade e loucura. 7. faca de dois gumes, fio da navalha, lâmina fria de punhal. 8. revolta estúpida diante da certeza de que não se pode arrebatar a autonomia de outrem. 9. atitude descabida de posse. 10. inveja mascarada de zelo.

Oliveira

Verbete 04



Tédio – subst. Abstrato. 1. cinza brumoso no horizonte, prenúncio de chuva que teima em não cair. 2. melancolia de charco, com coaxar de rãs, ao entardecer. 3. aborrecimento passivo diante do gotejar sonolento das horas. 4. entorpecimento dos sentidos, embriaguez da vontade.
5. lassidão, modorra, inação. 6. antojo diante das convenções sociais. 7. fastio diante da mesmice do cotidiano. 8. desgosto agridoce diante da impossibilidade de fazer cessar o mundo. 9. grito que não encontra eco na realidade exterior.

Oliveira

Verbete 03




Saudade – subst. Abstrato. 1. rosa murcha guardada num livro empoeirado e amarelado pelo tempo. 2. nostalgia de piano e violino num fim de tarde longínquo. 3. acordes dolentes de um blues no aconchego da lareira. 4. lembrança rosa-pálida de alguém muito querido ou de momentos felizes. 5. nostalgia-púrpura de ocasos em praias orladas de coqueirais. 6. vídeo-clipe de emoções marcantes, guardadas na parede da memória. 7. pesar por aquilo que não foi e por aquilo que não fomos.

Oliveira

Verbete 02




Amar – 1. verbo reflexivo: expor-se, enganar-se, desnudar-se, doar-se,esfacelar-se, anular-se. 2. verbo intransitivo: ir ao encontro de e/ou ir de encontro a. 3. verbo transitivo: querer saciar
a sede de. . . , pegar o bonde na contra-mão, não enxergar um palmo diante do nariz, perder o rumo, procurar sarna para se coçar, alimentar sonhos inúteis, armar cenas de ciúmes, forçar a barra, fabricar ilusões, criar expectativas vãs a respeito de. . .

Oliveira

Verbete 01



Amor – subst. 1. fantasia equivocada. 2. sentimento cego e obsessivo. 3. abstração, malogro, mentira. 4. endeusamento de outrem. 5. pesadelo disfarçado de sonho. 6. poço vazio, terra movediça, lugar ermo. 7. engano que traz desengano por trás. 8. sentimento de apego e interesse: disputa de opostos, conjugação antagônica de sentimentos (possessividade x submissão, domínio x subjugação). 9. perda do leme, mergulho na bruma. 10. caos.

Oliveira